Tecnologia, Dados Pessoais e o Futuro da Democracia
A transformação digital e a recolha massiva de dados pessoais revolucionaram a forma como interagimos e consumimos informação. Nos bastidores desta nova realidade estão os algoritmos, sistemas analíticos, matemáticos, que utilizam os dados partilhados para decidir o que aparece no nosso feed nas redes sociais, que anúncios vemos e até que notícias nos são apresentadas. Embora estes algoritmos ofereçam comodidade e eficiência, o uso de dados pessoais sem transparência e com fins lucrativos levanta questões éticas e políticas, tornando-se uma ameaça potencial para os nossos valores democráticos.
Definição do Problema
Os algoritmos são conjuntos de instruções complexas que, ao serem alimentados com os dados muitas vezes partilhados de forma inocente ou pouco informada por nós, conseguem traçar perfis detalhados sobre comportamentos, preferências e necessidades de cada utilizador. A partir destes dados, as empresas de tecnologia podem prever padrões de consumo e direcionar conteúdos de modo fortemente personalizado. No entanto, esta recolha massiva de dados pessoais e o seu uso muitas vezes opaco, conduzem à perda de controlo dos cidadãos sobre as suas próprias informações. Assim, a nossa privacidade é comprometida e, ao mesmo tempo, tornamo-nos vulneráveis a manipulações, com efeitos que vão além do marketing e se estendem à forma como percebemos o mundo e, consequentemente, às bases da nossa democracia.
Algoritmos e Democracia
A democracia sã, esclarecida e humanista, depende de um público informado, capaz de tomar decisões de forma independente. Porém, o uso de algoritmos e dados pessoais coloca esta liberdade em risco ao filtrar e direcionar o conteúdo que chega a cada indivíduo, criando “bolhas informativas” que nos “prendem”, reforçam as crenças e, em última instância, promovem a polarização. Ao selecionar (por nós) o que lemos ou vemos, os algoritmos limitam o acesso a perspetivas diversificadas, dando margem a distorções que influenciam a opinião pública e até os resultados eleitorais. Um exemplo deste efeito foi evidente nas eleições de 2016 nos EUA, onde foi apontado o uso de dados para direcionar mensagens específicas a diferentes perfis de eleitores. O acesso a informações tendenciosas e manipuladas leva a decisões enviesadas, ameaçando a capacidade de um eleitor avaliar as propostas políticas com imparcialidade.
Regulamentação Europeia
A União Europeia tem-se posicionado na vanguarda da regulamentação digital, procurando equilibrar inovação com a proteção dos direitos dos cidadãos. Um exemplo claro é o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), em vigor desde 2018, que estabelece princípios rigorosos sobre como as organizações devem recolher, armazenar e utilizar dados pessoais. Este regulamento impõe obrigações como o consentimento informado dos utilizadores e o direito de acesso e eliminação dos dados.
Mais recentemente, a União Europeia introduziu o Regulamento sobre Inteligência Artificial (IA), um dos primeiros no mundo a propor uma regulamentação abrangente sobre o uso de algoritmos e IA. O Regulamento Europeu sobre Inteligência Artificial é oficialmente designado como Regulamento (UE) 2024/1689, e foi adotado a 13 de junho de 2024. Este regulamento estabelece regras harmonizadas para o desenvolvimento e utilização de sistemas de IA na União Europeia. Este regulamento classifica os algoritmos conforme o nível de risco para os direitos fundamentais, incluindo a democracia. Algoritmos que apresentam riscos elevados, como aqueles utilizados em campanhas políticas, estão sujeitos a auditorias rigorosas e a maior transparência. Esta legislação é um passo importante para garantir que os avanços tecnológicos respeitem os direitos dos cidadãos e a integridade democrática.
O Papel da Educação
Para proteger a democracia no contexto digital, não basta regulamentar: é necessário também educar. Jovens e adultos precisam de desenvolver competências digitais e literacia crítica, fundamentais para navegar num ambiente onde a informação é constantemente filtrada e moldada por algoritmos. Em particular, a literacia digital e em IA permite compreender os mecanismos que estão por detrás das redes sociais e de outras plataformas digitais, promovendo um uso consciente e informado das mesmas.
A educação, hoje, deve incluir a capacidade de identificar desinformação e de analisar criticamente as fontes, questionando a veracidade do conteúdo consumido. Programas de formação para adultos e currículos escolares que abordem o papel dos algoritmos, da IA e a importância da privacidade digital, são essenciais para uma sociedade mais resiliente, humanista e informada. Além disso, é importante que os jovens compreendam que as plataformas digitais, embora acessíveis e convenientes, também servem propósitos comerciais e, frequentemente, políticos, que podem não estar alinhados com os valores democráticos que perseguimos.
Conclusão
A interação entre algoritmos, dados pessoais e democracia é complexa e desafiante. Por um lado, a tecnologia oferece oportunidades para melhorar a qualidade de vida e otimizar processos; por outro, o uso indiscriminado e pouco transparente de dados pessoais coloca em risco a liberdade e a capacidade crítica dos cidadãos, essenciais para o funcionamento de uma sociedade democrática saudável. A regulamentação europeia surge como uma resposta robusta, mas a solução passa fundamentalmente pela educação de cidadãos que, informados e digitalmente competentes, serão capazes de fazer escolhas conscientes. Em última análise, proteger a democracia na era digital exige um esforço conjunto entre governos, sociedade civil e sistemas educativos, onde a tecnologia e a transparência caminhem lado a lado, respeitando os direitos individuais e promovendo uma sociedade justa, informada e digitalmente competente.
As escolas, como pilares da formação e cidadania, têm um papel fundamental em preparar os jovens para enfrentar os desafios do mundo digital, reforçando neles a consciência crítica, o humanismo e competências para usar a tecnologia de forma segura e ética. A Another Step está empenhada em apoiar as escolas neste percurso, oferecendo uma abordagem integrada e especializada com formação em Capacitação Digital Docente e Inteligência Artificial para Docentes. Assim, usando a formação como complemento ao modelo CAF Educação e ao quadro EQAVET (para o ensino profissional), juntos podemos garantir que o digital é uma ferramenta de apoio à qualidade da Educação, com transparência, onde o sucesso dos alunos e a integridade democrática e humanista se encontram no centro das práticas educativas.